terça-feira, julho 28, 2015

Jorge Bruto "Alvalade é punk"


ALVALADE É PUNK!

"No outro dia estava no Popular, estava a dar um concerto e eu ia pôr música a seguir, no fim de um tema da banda, enquanto se ouviam as palmas e habituais urros e gritos, alguém gritou, "Alvalade é punk", na altura achei piada, mas de alguma maneira aquilo ficou a fazer-me comichão e há pouco dei por mim a pensar, realmente há qualquer coisa de particular neste bairro, montra do Estado Novo, que ganha forma nos anos sessenta e que ainda hoje é estudado em Arquitectura, verdadeiro exemplo de como é possível ter comércio tradicional, Hipermercados, Praça e uma qualidade de vida que faz com que o Núcleo Habitacional seja ainda hoje de qualidade superior e muito concorrido, mas deixem-me parar de falar como um prospecto publicitário e dar a minha opinião, este bairro é altamente. Bom, mas daí ao punk ainda é um salto, donde que é melhor começar, nos anos sessenta, famílias com posses mudavam-se para o novo bairro, símbolo imponente do regime, ao mesmo tempo os bairros camarários, onde os "bons" trabalhadores do Estado eram recompensados com uma casa, iam-se enchendo de gente, assim com o "baby boom" dos anos sessenta e setenta, Alvalade encheu-se de crianças, então, este bairro onde entre as famílias tinha vindo o elemento intelectual, que reunia no fundo grande parte da comunidade artística da Capital, cineastas, escritores, actores, pintores, músicos, criou acidentalmente claro, as condições para que o Movimento Punk aqui nascesse, educação, crianças e dinheiro, no princípio dos anos setenta, a primeira discoteca assumidamente Punk, o "Browns", onde com os meus 12, 13 anos, vi entrar o Pedro Ayres com o cabelo em pé e blusão de cabedal preto, que tinha à porta um cartaz da Patty Smith e um dizer, "Punk the New Wave", neste bairro foi assim, em 79 o Sid Vicious morreu, nessa noite, 2 de Fevereiro, no noticiário o locutor, lembro-me como se fosse ontem, disse, "morreu hoje Sid Vicious, membro da controversa banda Sex Pistols" e iam passando imagens da cena em Inglaterra, eu estava fascinado, de repente para ilustrar passaram parte do "Silly Thing" com eles a tocarem..........e...pronto...o estrago estava feito. No dia seguinte nos flippers do Sr. Zé, o "Estudimatic", eu, o Carlos , o Ribas, o Serpa, não conseguíamos falar de outra coisa, eles iam formar uma banda e eu ia filmá-los. Bom o resto é História, aconteceu como tinha de acontecer, como ouvi dizer a um velhote, "o problema da vida é que acontece". Mas voltemos a "Alvalade é Punk", quando disse que estavam criadas as condições para que aqui nascesse o Movimento, não falava só de nós, falava de toda uma geração, irreverente, contestatária, pode-se mesmo dizer de extremos, que avançou destemidamente em todas as direcções, desde o conhecimento científico, ao empresarial, ao artístico, foi uma geração que quebrou barreiras ao seguir sem medo neste nosso Portugal tantas vezes pequenino e invejoso. Tal Bravura e Audácia tiveram é claro um preço a pagar e muitos foram os que não resistiram à fome de viver, esta ânsia criativa tão particular deste bairro, por tudo isto acho que até faz algum sentido dizer, "Alvalade é Punk", porque mais que o cabelo e as roupas, Punk é uma atitude, é a irreverência com que se encara a vida e nisso este bairro é único. Assumo desde já o meu bairrismo e a provável parcialidade, mas gosto desta expressão e vou passar a usá-la, "Alvalade é Punk".


*texto escrito por Jorge Bruto.